A atenção dos estudiosos ao engaste, em obras portuguesas ditas canónicas dos séculos XV-XVIII, de versos ou hemistíquios de poemas épico-líricos de origem medieval não é um gesto crítico recente: surgiu no âmbito do movimento fundacional da “literatura nacional”. Os eruditos oitocentistas, na sua procura das bases tradicionais da literatura portuguesa, detetaram a presença de algumas fórmulas romancísticas em certas páginas literárias, apresentando-as como testemunhos do género medieval que o povo conservara e consequentemente como marcas da genuinidade “nacional” das obras que as incluíam (Wolf, 1856; Storck, 1885). Com este ímpeto, pontificou naturalmente Teófilo Braga (Araújo, 2005).
Já as preocupações da autora do primeiro – e único, até agora – catálogo dos engastes, “Romances Velhos em Portugal” (Vasconcelos, 1907-1909), foram de natureza filológica. Carolina Michaëlis de Vasconcelos, procurando suprir a inexistência de antigas coleções portuguesas de romances e asseverar uma antiga tradição portuguesa do género épico-lírico medieval, constituiu, a partir do escrutínio de um amplo conjunto de obras literárias dos séculos XV-XVII, um inventário com quase duas centenas de referências feitas por cerca de cinquenta autores, segundo contou Giuseppe Di Stefano num artigo que dedicou ao inventário português (Di Stefano, 1982: 27). O conhecimento epocal sobre o romanceiro velho (e inclusivamente o da tradição moderna portuguesa) que balizou a colossal investigação da filóloga foi posteriormente bastante ampliado, pelo que “Romances Velhos em Portugal” exige um reexame à luz dos achados poéticos posteriores nas duas tradições do género (a antiga e a moderna). Ainda assim, a obra continua a constituir o catálogo de referência dos engastes de versos de romances nas criações portuguesas deste período e a servir de base e de repto à investigação atual.